POR Olívia Fraga (PALADAR)
Os especialistas dizem que no copo certo até a água muda de sabor. Exagero? Quem é que nunca sentiu o gosto do plástico quando precisou matar a sede num copinho descartável? Agora imagine tomar um single malt num copo desses. Não, por favor, não faça isso, vai estragar a bebida. E a questão não é que o líquido que está ali merece reverência, mas sim que o copo de plástico piora o uísque: além de interferir no sabor e no aroma, não ressalta as qualidades da bebida.
Teores alcoólicos, texturas, sabores e aromas complexos exigem recipientes que amplifiquem suas particularidades. E é exatamente essa a definição para os bons copos e taças: eles são amplificadores da experiência de beber. Fazem isso por meio de seu formato, de suas curvas, da abertura, de seu tamanho e do material de que são feitos.
Essas características determinam a área da língua em que a bebida vai tocar primeiro. Apesar de a língua toda ter papilas gustativas, algumas regiões são mais sensíveis a certos sabores. Assim, é possível criar copos que projetem a bebida nas áreas em que serão ressaltados os sabores desejados para valorizar o que a bebida tem de melhor.
Copos de fundo curvo, por exemplo, destacam os aromas. São apropriados tanto para o vinho como para o conhaque, a grapa e a vodca. Isso porque a bebida cai com mais leveza, preenche a taça em circunferência e volta como se fosse uma onda de baixo para cima. Esse movimento desprende os aromas voláteis, fazendo-os subir, o que os torna mais próximos ao nariz e portanto mais perceptíveis. A boca do copo - se é reta, se é curva - também influencia na percepção dos aromas.
Quer manter uma bebida fresca? Use um copo menor e de vidro mais grosso. Bebidas doces e spirits devem ser servidos em taças pequenas, que destacam os aromas frutados.
"A borda redonda tende a acentuar a acidez; já a facetada permite que a bebida flua de forma mais sedosa e aveludada", explica Edmundo Furtado, em seu livro Copos de Bar & Mesa.
Hastes longas fazem a pessoa projetar o pescoço para trás, jogando a bebida para o centro e as bordas da língua, o que favorece a percepção de acidez e sabores complexos.
Quem primeiro notou que diferentes formatos proporcionavam impressões distintas e era possível direcionar o fluxo da bebida na boca foi o cristaleiro Claus Riedel, na década de 50. O famoso empresário austríaco se concentrou na família dos vinhos e foi detalhando os modelos de tal forma que acabou criando uma coleção de quase 40 taças da bebida, uma para cada tipo de uva entre as castas mais importantes. "As regras de Claus Riedel criaram um padrão que muitas cristalerias passaram a copiar", conta André Wollny, representante da alemã Spiegelau, que hoje pertence à Riedel. As pesquisas da cristaleria boêmia, aos poucos, foram ponto de partida para as demais cristalerias voltarem suas atenções às outras bebidas. "Aos poucos, cada uma exigiu para si um desenho especial", conta Tatiana Troubetzkoy, da Christofle.
Na mesma época em que se tornaram conhecidos os estudos de Ridel outra revolução no desenho dos copos começou nos bares dos EUA. Ela teve início depois que os americanos dominaram a tecnologia do vidro soprado em molde e, graças ao desenvolvimento industrial, criaram uma série de copos mais baratos, de ampla aceitação.
A coquetelaria exigiu novos tipos de copo, conforme surgiam os drinques. Misturas de frutas com destilados, bitters e gelo pediam copos maiores - a diluição do álcool provocou uma mudança no tamanho dos copos, que "cresceram" ao longo do século 20. A aprovação da Lei Seca, na década de 20, também deu sua contribuição ao design: os copos do tipo old fashioned - os tumblers, pequenos, de fundo reto (sem pé), que por serem visualmente diferentes dos copos usados para uísque on the rocks, eram perfeitos para disfarçar o bourbon entre gomos de laranja, gelo e Angostura.
É tudo cristal? As cristalerias vivem um dilema. Para fazer taças cada vez mais transparentes, recorrem ao uso de chumbo em diferentes proporções. Do ponto de vista estético, usar chumbo na composição do vidro é uma solução perfeita. Mas o chumbo é um metal pesado que pode comprometer a saúde. Por isso, tem sido banido de taças e copos usados em restaurantes e hotéis por suposto risco de contaminação, uma vez que o chumbo é tóxico. “Nos EUA não é permitida a adição de chumbo em quantidades acima de 8% na fabricação de peças de mesa, mesmo que o teor ideal para a mistura desse elemento seja de 24%, para a obtenção de um cristal de chumbo de qualidade”, conta o colecionador e especialista Edmundo Furtado, autor do livro Copos de Bar & Mesa. Na Europa não há controle, mas as indústrias têm tentado reduzir o teor de chumbo em seus cristais, aprimorando a técnica de molde e sopro. Em ordem de “nobreza”, existem quatro tipos de vidro: são eles o cristal de chumbo, o cristal de vidro, o vidro comum e o vidro borosilicato. O que determina esta diferenciação é a presença e o teor de chumbo. O cristal de chumbo tem 24% de chumbo; o cristal de vidro, até 10% de chumbo, e os vidros não têm chumbo – nessa categoria se encaixam os copos comerciais, vidros para automóveis e de remédios, por exemplo. O cristal de chumbo tem acabamento mais fino e delicado. Já o cristal é mais poroso, o que, em termos de bebidas, determina ótima performance. “Quando giramos a bebida em uma taça porosa, forçamos as moléculas que contêm os aromas contra a parede áspera da taça, ‘quebrando’ estas moléculas. Essa ação libera os aromas”, explica André Wollny, da Spiegelau. Cristalerias da Europa como as suecas Kosta Boda, Orrefors usam cristal de vidro. Strauss, Blumenau e Riedel usam cristais de chumbo. |
Chá de sumiço Bebidas quentes são outra história. Pedem apenas respeito com as mãos e os dedos – materiais que não queimem e, ao mesmo tempo, evitem que ela esfrie rapidamente. Copos próprios para bebidas quentes costumam ser feitos de vidro duplo, como os da dinamarquesa Bodum, ou de porcelana, matéria-prima que conserva melhor a temperatura da bebida. Se o vidro tem boa performance, até o cabo é dispensado. Entretanto, a xícara “Ceramic for Mix”, da Anna Gram, não é uma coisa nem outra. Vidro borosilicato (o menos brilhante), encaixado em um pires de cerâmica, com o fundo projetado para fora, onde uma bolinha de cerâmica se mexe para lá e para cá. Onde foi parar a colher de chá? Sumiu. A bolinha encaixada no vidro rodopia e funciona como mexedor. Florian Dussopt, sócia do estúdio, conta que a ideia de mudar a cena da hora do chá foi sua inspiração. “O ritual de quem toma chá é sempre o mesmo: servir-se o líquido, preparar a infusão, mexer e tomar. Pensamos em romper esse cerimonial. O vidro permite que se veja a cor da bebida, e a porcelana está no pires”, explica. O protótipo foi mostrado em feiras de design, mas alguns críticos não perdoaram – para misturar o açúcar na bebida (que em chás é totalmente opcional), é preciso manter o copo sobre a mesa e mexê-lo, ou segurá-lo firme para que o líquido não transborde. |
O teste do uísque Bebidas envelhecidas no processo de fabricação, como o uísque, ficam melhores em copos com haste. É por isso que nas destilarias escocesas e pubs tradicionais na Inglaterra, o visitante verá gente bebendo uísque em taças pequenas com haste, de borda abaulada. “É o mais complexo e delicado spirit e merece esse cuidado”, diz Andy Davidson, da Glencairn, fabricante de copos e garrafas de uísque da maioria das destilarias do Reino Unido. “No caso do uísque, o nariz é o mais importante, e é preciso ter um copo que permita a aeração e a concentração desses aromas. Sugiro que você prove whisky de uma taça apropriada e de um copo tumbler ‘on the rocks’. Teste o nariz da bebida depois de 20 minutos nos dois copos e veja o que acontece. No tumbler a bebida é menos rica do ponto de vista olfativo. E de paladar também, porque a aeração favorece a percepção de sabores.” |
Saquê Por quê, por quê?, perguntam os apreciadores de saquê, ao receberem a bebida naqueles copos quadrados de plástico. Pois é, ninguém sabe ao certo como o masu, o copinho usado para contar arroz em época de colheita, se tornou símbolo da bebida nos restaurantes de comida japonesa da cidade. “É uma moda que só existe aqui no Brasil”, conta Yasmin Yonashiro, ‘sake sommelière’ do Kinoshita. Há pelo menos 6 modelos de copos baixos para de beber saquê no Japão, mas o choko é tradicionalmente o recipiente ideal para isso. Trata-se de um copo de cerâmica baixo, com dois círculos azuis dentro, chamados de “hebi no me” (ou ‘olho de cobra’). “Usamos os círculos para testar a transparência da bebida”, explica Yasmin. Com muito custo, os japoneses têm aderido ao copo de cristal. Acreditam que a cerâmica conserva melhor a temperatura – mas a resistência é cultural, pouco argumentativa. Certo é que, em copo quadrado de plástico, o saquê perde suas características, além do desconforto de um copo nada apropriado para o encaixe da boca. |
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