Para um verdadeiro apreciador de vinhos, não há nada como provar seu primeiro Botritizado afinal é uma das experiências gustativas que mais marcam o sensorial do enófilo, este vinho magico é elaborado com uvas afetadas por infecção do fungo Botrytis Cinerea, um fungo que ataca diversas outras frutas mas aqui, claro é a uva que trás o verdadeiro néctar. Para melhor desfrutarmos estes exemplares ,é interessante que conhecermos este fenômeno magico da natureza, mais conhecido com o nome “acredite” de podridão nobre, que desperta os aromas e sabores únicos deste estilo de vinho de sobremesa.
Alguns fungos na natureza apresenta se sob 2 formas: uma chamada anamórfica, de reprodução assexuada, por meio de esporos e outra, a teleomórfica, de reprodução sexuada. O que tratamos nesta postagem o Botrytis Cinerea é a forma assexuada esporulante, do fungo teleomorfo Botryotinia fuckeliana.
Esse fitopatógeno é um polifago, afetando como já disse diversas espécies de frutas e vegetais e constitui um problema de sanidade dos vinhedos. A identificação de diferenças morfológicas e genéticas entre algumas linhagens faz supor que este fungo seja de fato, um complexo de , ao menos, duas espécies crípticas (morfologicamente indistinguíveis) que evoluíram de forma simpatríca (sem isolamento geográfico).
Ao infectar as uvas, o fungo causa a chamada podridão cinzenta, condição que torna as uvas impróprias para a vindima. A alta incidência desta enfermidade tem consequências econômicas nefastas na vinicultura.
A infecção se desenvolve precocemente, no inicio do ciclo vegetativo, a partir de esporos formados em estruturas micelares , que subsistem durante o inverno, denomidas esclerotia .os esporos (conídios) , são gerados nas extremidades de estruturas filamentares e ramificadas, Os conidióforos.
orquídea acometida por botrytis |
A forma dessas estruturas microscópicas lembra ironicamente lembram um cacho de uvas. Daí o nome Botrytis (cacho de uvas em grego), sendo que a palavra Cinerea vem do latim, cinzas, referente a cor acinzentada das colônias de fungo.
Chuvas abundantes,períodos longos de umidade e enraizamento superficial favorecem o desenvolvimento da podridão cinzenta. A Rigidez da película das uvas e os cachos pouco compactados reduzem a incidência da doença.
O fungo começa seu ataque pelas ,inicialmente pelas flores ,particularmente pelas pétalas, a partir deste ponto já estão pré infectados os futuros brotos frutais.O fungo começa a produzir pectinase um liquido9enzima) que destrói a pele da uva dando assim acesso ao seu interior.
Com a pele da uva toda perfurada, começa então o processo de suga dos líquidos do bago, em período de bagos maduros é ainda mais rápida a desidratação do bago pois a uva não esta mais conectada ai sistema vascular da planta.
Mas esta história começa a ter seu final feliz a partir deste ponto, uma vez que apenas uma uva tenha sido atacada pelo Botrytis Cinerea ,os demais cachos da videira passam a sintetizar grandes quantidades de fitoalexinas, como fosse seu próprio anticorpos, produzida apenas por uma classe de vegetais superiores em reação a infecção.
Neste caso a fitoalexina sintetizada é o trans-3,4,5’-trihydroxystilbeno (Úfa),o famoso resveratrol ,substancia com capacidade para reduzir os processos de arteriosclerose e de carcinogenese. Ao resveratrol como já foi dito neste Blog são atribuídos diversos benefícios do vinho tinto .Mas o fungo não parou por ai, ele produz outra enzima a lacase que tende a negativar o resveratrol, facilitando a invasão de outros cachos.
E ai neste caso como em outros seres vivos uma disputa entre o corpo infectado e o microrganismo patogênico. Em condições especificas como: manhãs nubladas e úmidas, com o restante do dia seco e ensolarado, em alguns lugares do mundo e para poucas cepas acontece um equilíbrio entre os 3 fatores: o crescimento do fungo estimulado pela umidade matinal, sua inibição, pelas tardes quentes e secas e, ainda, a reação da videira através do resveratrol.
Nestas condições nasce ao invés da podridão cinzenta a podridão nobre a combinação da planta e do fungo fazem com que a uva desidrate mas mantenha concentrado seus açúcares .o metabolismo do fungo gera substancias e consome outras ,alterando o suco dentro da uva ,e consequentemente gerando vinhos diferenciados.
Algumas destas alterações são:
- · Desidratação, com diminuição de líquidos e aumento de concentração do suco.
- · Produção de ácido glucônico (sem impacto sensorial) ácido acético e acetato de etila por bactérias acéticas que tem sua entrada no bago facilitada pela presença de Botrytis,o típico aroma sutil de acidez volátil, de esmalte e de acetona provêm desta contaminação secundária.
- · Aumento na concentração de açucares ,a despeito do fungo metabolizar 35% a 40% do açúcar produzido.
- · Produção de glicerol e outros poli álcoois como manitol e sorbitol ,estas substancias aumentam a sensação de untuosidade doçura.
- · Hidrólise dos terpenos, este fenômeno diminui a intensidade aromática nas variedades as quais os aromas terpênicos são importantes na caracterização (como moscatel).nestas uvas a perda de aromas com a botritização é maior do que com variedades mais neutras ,como a semillon, onde o ganho em complexibilidade aromática que vem da podridão nobre é a maior que a perda de características varietais.
- · As característica frutadas são substituídas por outras mais complexas, devido a produção de esterases .
- · Síntese de soloton (3-hydroxy-4,5-dimethyl-2(5h)-furanone) (ùfa de novo),que gera aromas de curry, mel xarope de maça, especiarias, açúcar queimado e nozes.
· Metabolismo preferencial do acido tartárico em relação ao ácido málico limitando a perda de ph causada pela desidratação. A relativa conservação do ácido málico preserva a acidez, responsável pelo frescor , ante uma concentração elevada de açúcar.
No fim de tudo a uva acometida pelo botrytis é prensada e produz uma quantidade ínfima de mosto muito doce e com sabor total do fungo. Todo este processo de desidratação torna a uva passa produzindo assim apenas um cálice de vinho botritizado por videira, produzindo um vinho singular e um dos melhores vinhos de sobremesa do mundo, Daí seus altos preços.
São vinhos raros, amplos, complexos muito longevos (passando facilmente de 100 anos de vida) e alguns extremamente caros. Este fenômeno ocorre na Hungria, com seus vinhos Tokaji,na França com seus sauternes, no vale do Loire e na Alsácia (sgn) e, na Alemanha, no vale do Reno, onde são produzidos os maravilhosos beerenauslese e trockenbeeresnauslese.
No fim da batalha da vinha com o fungo quem ganha somos nós com seus vinhos extremamente longevos encantadores e complexos, para a saúde nos oferece o resveratrol do vinho tinto e a delicadeza dos vinhos doces como Chateau D’yquem, do tokaji Aszu Ezsenzia ou um Trockenbeerenauslese do Rheingau na Alemanha.
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