Mauricio Tagliari
De São Paulo
Ser brasileiro é uma aventura, sabemos. Já dizia o maestro soberano Tom Jobim que o Brasil é para profissionais. E quando um brasileiro brilha no exterior parece que desperta uma mescla do complexo de vira-latas com ufanismo irracional.
É engraçado, por exemplo, ver um jornalista esportivo, que lida com conteúdo, defender a ida de Neymar para o exterior. O que deseja este cidadão? Trabalhar num mundo pior e sem beleza? Dirigentes, empresários, que defendam seus interesses. Nós, meros mortais, representantes do típico cidadão-consumidor-eleitor, nada temos a ganhar com isso. Mas é assim. Parece que para muita gente, se o Neymar não brilhar na Europa, não vale muita coisa. Lá será respeitado.
Recebi a informação de que Ricardo Castilho, diretor da "Prazeres da Mesa" e expert em vinhos, está em Madri para participar do júri do Bacchus, principal concurso internacional, num grupo seleto de especialistas que elegerá os melhores vinhos do mundo. Dias atrás, o chef Alex Atala, glória da gastronomia nacional, foi o primeiro brasileiro convidado a ser presidente de honra do evento gastronômico mais prestigiado do mundo, o Bocuse d'Or, considerado o "Oscar" do ramo, em Bruxelas, na Bélgica. O Bocuse d'Or reúne profissionais do mundo inteiro há mais de 20 anos.
Minha caixa postal vive repleta de informações sobre as conquistas do vinho brasileiro mundo afora. Crescimento das exportações. Espumantes elogiados porJancis Robinson, Julia Harding e Adam Strum, Oz Clarke, os mais renomados críticos do mundo. O anúncio da inclusão do ótimo Quinta do Seival Castas Portuguesas na lista dos vinhos oficiais da Olimpíada de Londres.
E qual a razão de tanto sucesso da enogastronomia brasileira no mundo? A sua inegável evolução qualitativa. Os vinhos são muito melhores do que nos anos 80. Foram anos de trabalho duro, investimento e pesquisa por parte dos produtores. O mesmo aconteceu com a explosão de criatividade dos chefs. Muita gente estudou fora e voltou com vontade de aplicar as técnicas aprendidas na matéria-prima brasileira.
No âmbito dos vinhos, aumentou-se a exposição a produtos de qualidade do mundo todo, e tanto produtores quanto consumidores brasileiros, escudados por um exército crescente de profissionais (sommelliers, enólogos, críticos, blogueiros, etc.), saíram ganhando e estão aptos a distinguir um vinho de qualidade como nunca antes neste país...
Futebol, vinho, gastronomia, música. Formas culturais. Nossa seleção brasileira, antes orgulho e fonte de identidade nacional, hoje não tem identificação com o torcedor, pois a maioria dos jogadores está na Europa. A música ainda resiste como um elemento cultural forte mesmo diante de todo o investimento da poderosa indústria de entretenimento anglo-americana. Apesar das várias e riquíssimas culinárias regionais, ainda nos falta uma identidade gastronômica. Ela se constroi, ainda. O mesmo ocorre com nosso vinho.
Passei o ano de 2011 escrevendo sobre minhas surpresas positivas, descobertas e esperanças no que tange ao vinho brasileiro. Em meio a elogios, sempre apontei a dificuldade concorrencial diante, principalmente, do vinho do Cone Sul. Desvantagens tributárias imensas, sendo a principal delas a substituição tributária do ICMS, quase uma taxa de importação dentro do próprio país. Um vinho de R$ 15 no Rio Grande do Sul acaba saindo quase o dobro em São Paulo, o principal mercado consumidor. Isto é perverso.
Há que se encontrar solução para estes desequilíbrios. E aí vem o nosso susto semanal. O anúncio de estudo de salvaguardas por parte do governo brasileiro, pleiteado pelo Ibravin em nome de produtores nacionais, caiu como uma bomba no meio enófilo.
Das redes sociais aos blogs e jornais, ninguém se furtou a um debate acirrado. Não é para menos. Salvaguarda pode ser muita coisa. De aumento de imposto a imposição de cotas por país. Resultado óbvio é o prejuízo ao bolso do consumidor. Ou pior: restrição à sua liberdade de escolha.
A reação foi intensa. Muitos, mais viscerais, propuseram boicote imediato ao vinho brasileiro! Importadores se posicionaram e colocaram seus argumentos. Ciro Lilla, um dos grandes responsáveis pela chegada de vinhos de qualidade ao mercado, escreveu uma carta aberta. Houve da parte de vários jornalistas questionamento aos dados apresentados sobre a possível ameaça que sofre a indústria vitivinícola nacional.
Aos poucos, algumas posições mais serenas apareceram e nota-se um intenso jogo de xadrez na frente de batalha de corações e mentes. E um importante player, a Salton, retirou seu apoio à demanda (leia aqui: Suzana Barelli:http://revistamenu.terra.com.br/2012/03/22/salton-volta-atras/).
Coloco aqui os links de alguns dos textos mais isentos e informativos:
Luiz Horta -http://www.estadao.com.br/suplementos/paladar/not_sup4898,0.shtm
Beto Gerosa- http://colunistas.ig.com.br/vinho/2012/03/22/a-salvaguarda-azedou-o-mundo-do-vinho-e-deve-aumentar-o-preco-do-importado-saiba-por-que/
Paul Medder - http://www.jancisrobinson.com/articles/a201203232.html
Salvaguardas não constituem pecados mortais. Os EUA, assim como a União Europeia, agem de maneira extremamente protecionista. São inerentes ao capitalismo a disputa e a proteção de mercados e empregos. Mas numa democracia a regra permite oposição a tais ideias. A bola está em jogo. A próxima semana será crucial, pois o Ibravin deverá encontrar blogueiros e jornalistas para explicar suas posições e, espera-se, ouvir a opinião de todos. O mercado (produtores, consumidores, profissionais da área, importadores, formadores de opinião, apaixonados por vinho em geral) precisa se entender e se unir. Sob risco de um belíssimo trabalho de imagem e posicionamento de mercado em defesa do crescimento e da qualidade do vinho brasileiro sofrer um golpe de consequências imprevisíveis.